​​​​​​6.3.7 - O uso de correspondentes no país

 

Pesquisa mostrou como brasileiros usam os serviços dos correspondentes.

Pesquisa específica sobre correspondentes foi realizada em 2013, com o apoio do BCB. O estudo, desenvolvido pela consultoria internacional Bankable Frontier Associates, com patrocínio da Fundação Bill & Melinda G​ates, teve como objetivos verificar se os chamados correspondentes influenciaram de forma positiva a inclusão financeira no Brasil e quais lições dessa experiência poderiam ser levadas a outros países. Foram entrevistadas 2.885 pessoas em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

De acordo com a sondagem, a maior parte dos brasileiros residentes na área urbana mora a, no máximo, cinco quilômetros de um correspondente. Na área rural, essa distância sobe para dez quilômetros. Os correspondentes são largamente usados para pagamento de contas, mas pouco utilizados para serviços financeiros, como saques e depósitos.

A pesquisa mostrou que os mais pobres, as pessoas que trabalham no mercado de trabalho informal e os moradores de pequenas cidades do Nordeste são mais propensos do que os outros a esse tipo de ponto de atendimento para realizarem saques. Moradores de pequenas cidades e, principalmente, cidades pequenas, onde há poucas agências bancárias são os mais propensos a depositar em correspondentes. A chance de uma pessoa de uma pequena cidade no Nordeste utilizar esse tipo de serviço para depósitos é 33% maior do que para o resto do país. Além disso, 79% das famílias não bancarizadas pagam, regularmente, pelo menos uma conta em um correspondente, o que significa que elas têm contato regular com esse canal.

A partir desses resultados, a consultoria concluiu que os correspondentes estão atingindo populações tradicionalmente carentes e, portanto, estão fazendo diferença para a inclusão financeira. O estudo também demonstrou que há espaço para melhorias: os correspondentes são selecionados porque são mais convenientes, mas, quando é dada a escolha, as pessoas relatam que preferem fazer transações em agências bancárias.

Alguns dos resultados da sondagem seguem abaixo. O relatório completo e o conjunto de dados está disponível, em inglês e português, no site http://www.bankablefrontier.com.

Distância da residência até o correspondente na zona urbana

72%: até 5km
26%: até 1km

Gastos com locomoção

Da residência até a agência bancária mais próxima
Tempo: 21 minutos
Custo: R$11,90

Da residência até o correspondente mais próximo
Tempo: 18min
Custo: R$2,93

Percentual por domicílio brasileiro…

... com qualquer produto formal de crédito (empréstimo de banco, instituição financeira de microcrédito, cooperativa de crédito, governo, cartão de crédito, cheque especial)​​

66%

... com qualquer produto formal de poupança (poupança, depósito de renda fixa a prazo, investimento em longo prazo, título de capitalização, consórcio formal)

44%

... com poupança dentro de casa

14%

... com pelo menos um cartão de crédito

37%

... compra de mercadorias de forma parcelada regularmente

30%

... compra de mercadorias com pequeno crédito nas lojas (fiado)

21%

Pelo menos uma pessoa presta serviços financeiros (empréstimos a familiares e amigos, atuando como agiota, guardador de dinheiro, oferecendo crédito ou crédito como fornecedor, se possui um negócio.)

14%

 

Perfil do chefe do domicílio com maior conhecimento sobre as finanças da residência

  • 71%possuem conta em banco.
  • 34% já tiveram o seu nome em listas do Serasa/SPC.
  • 42% possuem algum tipo de seguro.
  • 14% possuem plano de assistência funeral.

 

Uso de correspondentes para serviços financeiros

 

  • 12% dos entrevistados bancarizados fazem saques em um correspondente.
  • Entre aqueles que depositam em sua conta bancária, 9% costumam fazê-lo em um correspondente.
  • Apenas 4% dos respondentes com contas bancárias abriu sua conta por meio de um correspondente. 
  • 6% da amostra relatou acessar um empréstimo pelo canal de correspondente nos últimos doze meses.

Uso de correspondentes para pagamento de contas

  • Média do número de contas pagas por domicílio brasileiro: 4,2 (Bancarizado = 4,4; Não bancarizado = 2,5)
  • Regularmente paga, pelo menos, uma conta em um correspondente: 68%
  • Percentual de domicílios brasileiros que pagam contas de energia elétrica: 95%
  • Desses domicílios, percentual que paga a conta de eletricidade em um correspondente: 59%
  • Valor médio de todas as contas mensais: R$544,75
  • Percentual das contas pagas em dinheiro: 86

​Risco de Renda e Inclusão Financeira: evidências e propostas de políticas

​Marcelo Neri

Secretaria de Assuntos Estratégicos e
Escola Brasileira de Economia e
Finanças, da Fundação Getulio Vargas

O objetivo último das políticas públicas é melhorar o bem-estar social. Nestes vinte anos, o Brasil sofreu mudanças diversas, como crescimento da renda, redução da pobreza e formalização das relações trabalhistas. Duas mudanças ganharam especial destaque nesse período: a estabilização macroeconômica da taxa de inflação e outra, de fundo social, captada pela redução da desigualdade de renda. Estabilidade e equidade exercem marcados efeitos sobre o de bem-estar individual e o da sociedade e devem ser estudadas de maneira integrada. Por exemplo, dados que acompanham a renda das mesmas pessoas ao longo do tempo indicam que a maior parte da queda da distância transversal entre rendimentos individuais reais mensais do trabalho observada no período após a implementação do Plano Real derivou de menor volatilidade da renda (queda de 40%, um choque de ordem), e não da menor distância dos padrões médios entre diferentes pessoas. É preciso separar o "efeito-estabilidade" do "efeito-equidade" para que a natureza dos ganhos de bem-estar e as suas implicações sejam compreendidas.

Risco – De maneira geral, a dispersão de medidas de bem-estar individuais como renda ou consumo per capita, que compõem o grau de bem-estar agregado, pode ser analisada sob dois enfoques: a desigualdade de padrões de vida médios entre pessoas e a flutuação observada do padrão de vida de uma mesma pessoa entre diferentes instantes do tempo. A desigualdade de rendas mensais, que é a forma como a questão é acompanhada no Brasil, tem sido amplamente medida e discutida. A dispersão temporal a priori, suavizando o bem-estar entre diferentes estados da natureza, ou medido a posteriori, é pouco analisado, seja do ponto de vista empírico por falta de dados, seja no desenho de políticas públicas.

Abrimos a análise de risco de renda em duas partes: o de uma mesma pessoa cruzar em doze meses a mediana de renda domiciliar per capita do trabalho de cima para baixo (risco de queda) e a de cruzá-la de baixo para cima (oportunidade de subir) com base em dados longitudinais da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE. Os resultados mostram que, no período de 2012 a 2013, 27 em cada 100 pessoas cruzaram a mediana de baixo para cima, o que coloca a oportunidade de subir na vida no ponto mais alto da série, iniciada em 2002. No período de 2002 a 2003, essa oportunidade era de apenas 16 em cada 100 pessoas. Por outro lado, o risco de queda sofreu forte redução nos últimos dez anos, indo de 26,2% em 2002/2003 para 13,3% em 2012/2013. Portanto, houve uma inversão dos riscos de queda e de ascensão entre os biênios 2002/2003 e 2012/2013. Essa maior estabilidade microeconômica, complementa melhoras na média e na desigualdade de renda per capita na obtenção de progresso no bem-estar geral da Nação (ganhos reais de 52% na média e de 107% nos 10% mais pobres de 2003 a 2012 pela PNAD/IBGE).

A volatilidade de renda tem implicações para a análise de programas como Bolsa Família. Numa analogia com o desemprego friccional, se há pessoas entrando e saindo da pobreza a cada mês, o índice de pobreza zero é tão inatingível como é o desemprego zero. O Banco Mundial, na sua nova meta de zerar a extrema pobreza até 2030, aponta 3% como o valor a ser considerado. No desenho de sua inspiradora meta de superação de pobreza até 2014, o Brasil, por meio do MDS, tem enfatizado esse ponto. Por outro lado, o Bolsa Família contribui para maior estabilidade da renda das famílias. De uma forma e de outra, o efeito estabilidade deve ser incorporado à análise de bem-estar.

Inclusão financeira – Outro elemento que mistura os dois tipos de dispersão acima citados, a transversal e a temporal, é observar como pessoas de diferentes estratos econômicos suavizam seu padrão de vida ao longo do tempo. A chamada inclusão financeira por meio dos segmentos de poupança, crédito e seguro é fundamental na determinação de como flutuações de renda das famílias de baixa renda influenciam o respectivo padrão temporal de vida. Estudamos também o primeiro passo do processo de inclusão bancária, que é a porta dos indivíduos a serviços financeiros41.

Começando com um retrato global, o Global Findex, que abrangeu 148 países, em 201142, indica que 50% dos indivíduos com quinze anos ou mais possuíam conta formal ante 56% no Brasil. Na maioria dos países da Europa Ocidental, mais de 90% da população está incluída, sendo que o menor percentual era o da Itália, 71%. Nos EUA e no Canadá, os percentuais eram 88% e 95,8%, respectivamente. O Brasil está acima da média da maioria dos países em desenvolvimento, com exceção da China (64% de incluídos). Os demais BRICS, por exemplo, ficaram abaixo do Brasil (África do Sul, com 53,6%, Rússia, com 48,2%, e Índia, com 35%). Na América Latina, o Brasil é, com folga, o país pesquisado com o maior percentual de indivíduos com conta formal, seguido pela Venezuela (44,1%), Chile (42,2%), Equador (36,7%) e Argentina (33,1%).

Estudamos aqui a entrada dos indivíduos ao sistema financeiro por meio de pesquisa de campo representativa nacional feita pelo Ipea, com 3.800 entrevistas de pessoas de quinze anos ou mais, realizada em 210 cidades brasileiras em maio de 2013. Em primeiro lugar, em relação aos locais de uso dos serviços bancários, as casas lotéricas, com 64,5%, superaram as tradicionais agências bancárias utilizadas por apenas 36,54%. Por outro lado, 15,2% dos entrevistados não utilizaram nenhum serviço bancário no mês anterior à pesquisa.

Enfatizamos aqui uma das perguntas, que se destinava a saber se o indivíduo possuía conta-corrente ou de poupança como um estágio desejável para ascender a serviços financeiros mais sofisticados. Os resultados mostraram que 58% dos entrevistados possuíam conta em alguma instituição financeira. Chama a atenção o percentual elevado de novas contas: 12,71% foram abertas nos últimos três anos. No outro extremo, estavam os 28,6% dos que nunca tiveram uma conta.

Determinantes – A fim de possibilitar a análise do efeito isolado de diversas variáveis sociodemográficas para nortear as ações de inclusão financeira, foi feita uma análise multivariada por meio de um modelo logit dos determinantes da probabilidade de as pessoas terem conta bancária, senão vejamos: escolaridade, renda e patrimônio, todas se relacionam positivamente com as chances de ter acesso à conta, ou seja, nenhuma dessas variáveis substitui as demais. Esse resultado não apenas indica que transações financeiras são de fato um serviço de luxo, mas também que ações de popularização desses serviços devem idealmente buscar resultante da união desses três vetores, e não optar por apenas um critério desses, como substituto dos demais.

Outra variável para além do nível de educação formal que impacta o acesso à conta bancária é relativa ao acerto em duas questões de números e finanças colocadas no questionário. Aqueles que acertaram essas questões possuem chances 27,6% maiores que os demais indivíduos de terem acesso à conta bancária. Esses dados sugerem a importância de ações prévias ligadas ao reforço do ensino básico de matemática e de educação financeira para incrementar o uso exitoso de instrumentos financeiros. Similarmente, indivíduos mais pacientes (definidos como aqueles que preferem receber R$380 após um mês em lugar de R$340 no momento da pesquisa) possuem chances 24,7% maiores que os demais, o que sugere que, além do conhecimento numérico, deve-se, talvez, cultivar valores relativos à virtude de saber esperar. A pesquisa sugere ainda que a paciência não é sinônimo de pessimismo sobre o futuro, pelo contrário. Os indivíduos que acham que sua vida irá melhorar nos próximos cinco anos têm 17,4% maiores chances de acesso financeiro que os demais. Acesso a serviços financeiros pode ser importante alavanca na consecução de um plano de ascensão social individual.

O acesso financeiro por idade apresenta trajetória em forma de sino, crescendo na juventude e na meia idade até os sessenta anos, o limiar da chamada terceira idade, quando passa a decrescer. Esse resultado revela uma trajetória do tipo teoria do ciclo de vida de Franco Modigliani no acesso à conta bancária. Homens possuem 32,6% maiores chances de ter acesso à conta que as mulheres em situação igual. Este deficit de gênero preocupa, pois as mães são, muitas vezes, as principais responsáveis pelo cuidado da família.

Em relação a variáveis espaciais, os nordestinos possuem 38,7% mais chances de cobertura financeira do que os do Sudeste em condições iguais. Similarmente, moradores do núcleo e da periferia das grandes metrópoles têm 14,5% e 23,4% menores chances de ter acesso a serviços financeiros que os moradores de cidades menores.

Finalmente, o fato de o indivíduo ser beneficiário do programa Bolsa Família aumenta sua chance de acessar serviços financeiros em 23%, dado comparável ao impacto de incremento de patrimônio entre os que dispõem de mais de R$100 mil em relação à faixa anterior. O efeito Bolsa Família é revelador de como as regras básicas do programa, em que os beneficiários estão todos no CadÚnico e recebem da Caixa Econômica Federal seus benefícios, acabam produzindo como efeito colateral o maior acesso desse grupo a outros serviços financeiros. Neste sentido, o Bolsa Família, mais do que uma saída da pobreza, figura como entrada a segmentos mais sofisticados do mercado financeiro. É possível ir além desse efeito colateral e desenhar políticas que lançam mão da plataforma do programa para garantir acesso a mais e melhores serviços financeiros para a população de baixa renda. Cabe lembrar que, para quem está próximo da linha de miséria, perdas valem mais que ganhos de mesma monta, valendo mais a suavização do consumo do que para os de maior renda.

Políticas – A SAE/PR realizou, em 2014, questionário em que pessoas com quinze anos ou mais deveriam atribuir nota de 0 a 10 a algumas propostas de política pública. A primeira é a realização de cursos de educação financeira para alunos de ensino médio, por meio de deveres de casa que envolvem os pais, propagando a educação financeira no seio familiar. Algumas avaliações realizadas no Brasil comprovam impactos positivos dessa metodologia de difusão. A nota atribuída a essa proposta foi 8,42 ante, por exemplo, 7,74 para cursos de educação financeira gratuitos oferecidos na internet. A segunda proposta, que obteve nota 8,55, é a criação de incentivos à poupança para os beneficiários do Bolsa Família, na linha dos fundos de pensão usuais de empresas privadas. A permanência dos recursos seria premiada com subsídios do Estado, criando hábitos de poupança na base da distribuição de renda. Note-se que o impacto sobre as contas públicas seria pequeno, pois todo o Bolsa Família custa hoje 0,53% do PIB e só aparece em prazo mais longo, quando a pequena parcela dos recursos poupados forem retirados. Na verdade, haveria maior folga no caixa fiscal no primeiro momento. Cabe lembrar que a nota média atribuída à qualidade dos serviços financeiros oferecidos é de 6,32, o que corrobora a atuação regulatória firme do BCB.

 

Modelo Logit de Acesso a Serviços Financeiros

Tem conta-corrente ou de poupança? (Sim=1)

Estimativa

p – Valor

Razão de Chances​

Patrimônio abaixo de 10 mil reais

-0.6889

<.0001

0.502

Patrimônio acima de 100 mil reais

0.2265

0.0897

1.254

Log da soma de todas as rendas do domicílio

0.425

0.0012

1.53

Número de moradores

-0.0815

0.0023

0.922

Segundo grau completo ou incompleto

0.7127

<.0001

2.039

Superior completo ou incompleto

1.2634

<.0001

3.537

Idade

0.1053

<.0001

1.111

Idade ao quadrado

-0.00089

<.0001

0.999

Homem

0.2823

0.0006

1.326

Intercepto

-6.6423

<.0001

0.001

Capital

-0.1565

0.0926

0.855

Periferia

-0.2928

0.0144

0.746

Nordeste

0.3273

0.0014

1.387

Centro-Oeste

0.8711

<.0001

2.39

Sul

0.3782

0.002

1.46

Acertou as 2 questões sobre numeracy

0.2438

0.0071

1.276

A felicidade vai aumentar nos próximos 5 anos

0.1604

0.0711

1.174

Prefere receber um prêmio de 340 reais hoje do que 380 reais daqui a 1 mês (Impaciente)

-0.2832

0.0011

0.753

Recebe Bolsa Família

0.2256

0.0355

1.253

Fonte: Elaboração SAE/PR com base nos microdados do SIPS/Ipea
* Variáveis não significativas omitidas.​​




41 O Banco Central possui iniciativa-chave de inclusão financeira: http://www.bcb.gov.br/?INCFINANC.
42​ Measuring Financial Inclusion: The Global Findex. World Bank Policy Research WP 6025, 2012. Ver http://datatopics.worldbank.org/financialinclusion/​.